terça-feira, 23 de junho de 2009

procurando entender a pergunta do Luis

fiquei pensando na sua última pergunta sobre o Nietzsche. Sobre o paradoxo da vontade de potência do homem e a necessidade de se reportar à história da arte para se fazer arte, não é ?

Você até citou sobre o "paternalismo" da história da arte. E isso naturamente seria contrário a potência do homem.

Não sou uma especialista em Nietzsche, mas, como ele mesmo diz, vamos falar com as nossas próprias palavras, sem teorias mortas.

A questão é que não se pode ter potência fora de uma Lei. Senão é a anomia total.
Há um sistema que nos sustenta. Não podemos operar fora dele, pois seria a loucura total. Há coisas que não podemos fazer (incesto, comer um fígado humano, etc.. até podemos, mas as consequencias disso seriam terríveis) pois a nossa subjetividade está baseada nisso, em certas regras. (e não vamos confundir isso com moral, é mais profundo).

Fazer arte é estar encostando próximo do núcleo desta lei (como diz a Clarice, do "núcleo invisível da realidade", ou Zizek, da "lacuna"), é transgredir a moral em torno disso, encostar na lacuna, mas não podemos chegar nela totalmente, ao menos que fossemos a Estamira, o Bispo, entende?

Então a lei é o que nos sustenta. Nos puxa e nos empurra. Brincamos com “fogo” o tempo todo.

A história da arte é uma lei. Um parâmetro. Algo a ser devorado e não ignorado. Senão ela mesma nos engole. É ela que nos "ferra".
Isso é ter uma linguagem. Se não tivermos uma linguagem, não podemos fazer metáfora, ficamos no nível do significante e significado apenas, na concretude das coisas. Seremos obcessivos. É como dizer para alguém: vai ver se eu estou na esquina... e ele vai...

Uma vez o Juliano Pessanha me perguntou: você já devorou a literatura?
Eu não entendi nada na época. Achei que ele tava falando que eu precisava ficar horas e horas lendo os autores, ser especialista, pedir permissão aos grandes autores, baixar a cabeça, etc, etc....

Só depois eu percebi que devorar a literatura seria entender a história da literatura e me apropriar dela, fazer brincadeira com ela, me autorizar a usá-la como eu bem entendesse, dar a minha opinião sobre os autores, escrever a minha maneira, compor a minha subjetividade, não ficar pedindo permissão para autor nenhum... Ou seja, buscar a história para me ler nela, para fazer “tráfico” de informações...

E isso é ter potência. Não o contrário. Ao invés de deixar a história da literatura "me roubar", eu iria "roubá-la", entende?
É isso que os grandes artistas fazem. Deleuze lê Nietszche para “se ler” nele. Nietszche leu os gregos para ler o que ele queria neles.

Fora da lei não temos potência, pois não temos "nome". Ao menos que fossemos loucos, aí a lei é outra. Mas mesmo assim há lei. O nosso próprio corpo já é um sistema, operamos por regras.

Acho que o Nietzsche fala disso.

E também acho que ele pensa uma arte fora do vômito
fora da queixa
uma arte que seja superação!

Trecho de Humano, demasiado humano:
241:”Gênio da cultura: se alguém imaginar um gênio da cultura, qual a sua natureza? Ele utiliza tão seguramente, como seus instrumentos, a mentira, o poder, o mais implacável egoísmo, que só poderia ser chamado de mau e demoniaco, mas os seus objetivos, que transparecem aqui e ali, são grandiosos e bons. Ele é um centauro, meio bicho, meio homem, e além disso tem asas de anjo na cabeça."

Angela

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