sábado, 14 de março de 2009

Encontro com Cláudio Feijó, dia 09 de fevereiro.

Como um exercício, o Cláudio nos apresentou uma folha branca no chão, e nos perguntou o que víamos. Nossa primeira reação foi pensar em um retângulo, que estava guardado pelo costume em nós como uma idéia de folha branca. Ver simplesmente com os olhos é uma experiência muito difícil, experimentar a realidade é uma tarefa cada vez mais distante. A partir do encontro que tivemos, uma série de questões começaram a me surgir, principalmente por que encontrei uma imensa dificuldade em pensar numa idéia de desconstrução sem antes voltar na própria maneira como foi construído esse olhar. Sei que damos uma atenção preponderante à visão nas nossas vidas, e desconfio que, muito mais do que simples imagens, o que nos é apresentado traz consigo um discurso. As imagens carregam palavras, elas podem ser lidas silenciosamente e somos entuxados de discursos e discursos o dia todo. É assim que nosso olhar construído cai sobre as coisas: através dos ouvidos! Me lembro de ter visto no filme “Janela da Alma” alguém dizer como nossa sociedade é carente de visão: somos cegos em uma realidade superlotada de estímulos visuais. Uma desconstrução do olhar, na minha opinião, passa por essa crítica da nossa própria cegueira e do mundo que a sustenta.
Dando uma volta pelo meu bairro, ou apenas ligando a TV, me deparo com uma forma muito explícita de organizar as imagens que sei que também organiza a minha subjetividade. Penso que a realidade como é imediatamente vivida por cada um de nós não corresponde à realidade como ela é construída objetivamente para aparentar. Persiste algo de essencial e digamos, caótico na vida, que precisa ser organizado e mais ainda, de uma maneira em que nosso papel é apenas nos sentarmos nas cadeiras da platéia. Esses modelos que o Cláudio Feijó citou são a sustentação de uma casa ainda maior de um processo de distanciamento do nosso próprio “biopoder”, e desconfio que, se voltarmos um pouco no debate com o Peter dá para buscar uns indícios ainda maiores. No espaço mais onírico e escondido, dentro da nossa “sombra” mais desconhecida existe um motor para o funcionamento de um sistema de vida que nos aliena de nossa própria vida secreta. É por isso que devemos buscar profundamente aquele olhar ainda escondido de nós mesmos, o espaço do não-saber, citado no encontro. Modelos ou não-modelos à parte, vou retomar um texto que escrevi há algum tempo atrás em que buscava a desconstrução do olhar para praticar o desenho vivo.

“Desenhar é uma coisa fácil, porque no reino da luz as cores têm vida própria. Se você joga o amarelo no azul vira verde, é uma lei da natureza. Mas cuidado, nunca se sabe: às vezes as cores tomam caminhos tão inesperados que pulam pra cima da gente como pipoca, levam nossos pensamentos para rios que escorrem em pontos desabitados da gente. Iluminam a nossa solidão... ou nossa euforia. Transportam nossos corpos em barcos no meio do nada, onde jorram correntes de ar e cegas navalhas. É um mundo paralelo onde tudo oque existe não tem nome: são amontoados de manchas coloridas em movimento, se derramando em palafitas e tomando os cantinhos, escurinhos.
É por isso que desenhar é uma coisa fácil, quando a gente desaprende por um momento de ver o mundo como casa, carro, poste, mulher, peixe.
No mundo da luz existe uma existência diferente. A gente tira os sapatos e mergulha. E o lápis sai rabiscando sozinho, e finca bem lá no pontinho ardido que sente”.

Carolzinha.

Um comentário:

o que tem ela disse...

coisa linda esse registro, um delicado olhar!