sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Por que o mar não tem raíz

Na última segunda, dia 05 de outubro, resolvi retomar o tal do registro. Acho que todos já desencanaram dele, não funciona, não no grupo, sei lá por que. Tem muitas coisas das quais eu sei, mas prefiro saber lá.
E foi também por isso que resolvi registrar. Bom, para começar pelo começo, no período da manhã tivemos um encontro com Fabiana Ribeiro, contadora de histórias, educadora, interiorana, bonita e muito forte, de fala simples. Foi essa a impressão que tive. Ela contou histórias.
Fiquei interessada em ver a Estela também contar histórias, aliás a gente vem tentando se convencer de que, santo de casa faz sim milagre, daí o santo contador de história não vem?
Mas não foi por isso que resolvi voltar ao papel. Quis primeiro recontar a minha história. O que me moveu foi meu total fracasso em exprimir o que ilustrei com tanto entusiasmo. Pensei, se der tempo, conto de novo, do jeito que tem que ser feito! E se chorar não faço mais!
Mas não deu tempo, também não acho mais necessário, ouvir o professor Jair falar já me fez acalmar e compreender algumas coisas que não estavam organizadas, nem estariam numa segunda apresentação, mesmo sem choro.
O que de mais importante ele disse, para mim, é que mar não tem raiz. E eu sempre pensei de algum modo estar presa lá, no mar.
Também pensava que minha faculdade não fazia mais sentido, e sim, ela faz, fiz jornalismo porque gosto de escrever e pesquisar. Também posso brincar com isso, é muito divertido montar rádio e falar com segurança, mesmo achando que não uso nada do que aprendi na faculdade. Talvez um dia pare de me incomodar as perguntas sobre que dia vou aparecer na Globo, ou escrever “pelo menos” num jornal local.
Pensei que minha amiga que se foi me ensinou por sua ausência que a morte é coisa presente na vida. Mas isso eu ainda não aprendi, mas aprendi outras coisas, decorei a letra de “Meu amigo Pedro” do Raul Seixas. “Quem te fez com ferro fez com fogo, Pedro. Pena que você não sabe não”.
Pensei que minhas relações familiares tivessem a mesma importância das minhas relações de amizade, as quais percebi que muitas vezes me dedico mais, o que já vinha repensando desde os encontros com a Raquel Trindade e com Maurinete e Eugênio Lima.
Pensei, mas talvez isso nunca esteja no passado realmente, são inquietações pessoais despertadas e estas, sempre fazem bem.
Pensando para fora, me colocando a deriva novamente, outro incomodo foi sobre fazer parte de um movimento grande, maior do que eu, minha vida e minha história. O movimento de uma juventude, de um tempo, de uma história.
Eu tenho minhas muitas reservas em pensar assim, não que ache que isso não é verdade. Estamos sim construindo algo, e também acho que é grande. Mas o que é isso? Como eu faço parte? Produzindo, presenciando, há muitas formas, mas meu pensamento é mais profundo.
O Jair falou sobre nossa audácia. Ocupamos um lugar que não nos foi reservado, reclamamos liberdades que não foram planejadas para nós. Mas quem somos nós?
Para ficar menos subjetivo vou exemplificar. Esse movimento de buscar raízes me fez lembrar conversas com minha mãe sobre sua infância. Ela nasceu em 1965, no fim do período militar ela era uma jovem, no entanto ela não se lembra desse momento histórico. Meus avós não foram perseguidos nem desapareceram. Por parte de pai a mesma coisa.
Coincidência ou não, minha avó materna trabalhou como empregada doméstica depois de largar a roça de Segredo, na Bahia, e vir para São Paulo. Meu avô morreu quando minha mãe ainda era pequena e meus avós paternos tinham chegado a pouco de uma das roças de Minas Gerais, meu pai sempre foi eletricista.
Mas minha mãe se lembra de que no bairro de Diadema, onde morava na infância, havia apenas duas casas, a dela e a de uma velha estrangeira, dona Roma, que juntava lixo e vivia com um gato e um cachorro. Lá tinha um balanço que ia alto, até perto da única avenida que passava perto. Ela se lembra do esquadrão da morte, que assassinou o noivo de sua irmã mais velha ninguém saía depois das 10 da noite. Se lembra que essa mesma irmã foi seqüestrada pelo próximo namorado e morreu numa crise de bronquite asmática, presa na casa onde ela era mantida trancada e conversava com as vizinhas por uma janela quando o namorado saia depois de lhe dar uma surra.
As lembranças do meu pai são mais tranqüilas, ele namorava muito nos bailes que freqüentava com seus tios e irmãos.
São lembranças alegres e tristes e até de tortura, mas que passam longe da história do país, ou da juventude militante que os livros nos contam.
Falei de coincidência, pois parece que foi a única coisa que uniu a vida dessas pessoas ao momento histórico. Entendo perfeitamente que lugares estavam reservados para eles e estariam reservados para mim caso tivesse estudado só um pouquinho menos.
Comparando essas histórias à minha, temo que minha, ou a nossa, única conquista tenha sido ascender à uma classe, política e social, talvez um dia econômica, à qual não pertencíamos e por isso temos outras preocupações e desejos.
Na adolescência, no bairro onde eu moro, eu passei a fazer parte de uma minoria meninas adolescentes sem filhos e na mesma época também entrei para outra minoria quando meu pai fez questão de colocar seu nome na minha certidão de nascimento.
Eu hoje faço parte de uma minoria negra e de família pobre que teve acesso à uma boa universidade.
Eu hoje faço parte de um grupo menor ainda que pensa o país e as relações pessoais politicamente.
Eu hoje faço parte de um grupo de 30 pessoas que tem um tempo às segundas-feiras para pensar nisso.
Num país onde 50% das pessoas não concluiu o ensino fundamental, que espaço eu conquistei? Onde meus vizinhos estarão nos próximos livros de história?


Amanda Prado
09.10.2009

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